O equívoco do lucro imobiliário
Há dez anos está proibida a atualização do valor dos imóveis na declaração do Imposto de Renda. Nesse período, o dólar passou da paridade 1/1 para 1/3 reais, houve considerável inflação - e, não por acaso, as prefeituras vêm corrigindo anualmente o valor venal. Desconsiderando a existência da inflação, todos os imóveis, do mais modesto terreninho da periferia a uma formidável mansão, pagarão tributo sobre um lucro inexistente. E, em alguns casos, sobre o prejuízo. Todos aqueles que quiserem vender o que é seu vão pagar. Mais da metade dos moradores de imóveis, digamos, convencionais tem casa própria conseguida a duras penas. Compraram um lote popular (que não mais existe), construíram uma edícula para economizar aluguel e, depois, laboriosamente terminaram o restante. Este é o caso da maioria desses proprietários. Não se diga que são os ricos que pagam o que não devem. Isso acontece com os pobres, confiscados em 10% a 15% do valor de seu modesto patrimônio. Trata-se de confisco, sim, porque se cobra o que não é devido, por meio de um "casuísmo" - medida injusta e ilógica. Considerando que o governo defende ardorosamente a justiça social em seus discursos, com certeza não hesitará em corrigir rapidamente essa anomalia. Até porque, deixando de lado o idealismo, essa medida prejudica o governo: se tenta receber de um lado, de outro deixa de arrecadar muito mais e, ainda por cima, terá de arcar com gastos adicionais. Quem vai vender tentará repassar o imposto no preço. Dirão os técnicos: "O mercado não suporta". Isso pode acontecer. Se não é possível comprar, então o remédio é alugar. E o valor do aluguel é calculado sobre o preço já inflacionado pelo tributo. Repetirão os técnicos: "O mercado não suporta". E eles devem ter razão, mas as conseqüências nefastas virão, de um jeito ou de outro. Se vendas não forem efetuadas, o mercado vai travar e, junto com ele, todos os seus periféricos, incluindo móveis, eletrodomésticos, artigos de decoração etc. Apesar do silogismo "Só imóveis novos geram empregos", a verdade é que sem a venda de imóveis usados mais baratos são paralisadas todas as operações subseqüentes de um universo gigantesco. Mercado inerte não gera impostos, CPMF, e deixa de absorver mão-de-obra não especializada. Ao contrário, acaba gerando demissões. Para as autoridades que ainda não perceberam, desemprego gera queda de consumo - que, por sua vez, gera mais desemprego, queda de arrecadação e inadimplência daqueles que devem. E, no mercado de locação, a situação fica ainda pior. O governo tem conhecimento de que 85% dos inquilinos pagam aluguéis até R$ 500,00. Só 0,2% paga acima de R$ 1.000,00 - e isso é fácil de provar: quem ganha R$ 2.000,00 é considerado rico pelo IBGE. Assim, quem não compra aluga. Muda apenas o perfil do consumidor. Se salários deteriorados já não permitem continuar em um bom endereço com 3 dormitórios, o jeito é se transferir para um 2 dormitórios em bairro popular. Afinal, isso se pode pagar. Descendo a ladeira cada vez mais velozmente, com mais esta aceleração no embalo, a classe média empurra para baixo os antigos inquilinos destes imóveis - os quais, por sua vez, fazem o mesmo com os que estão no final da fila dos imóveis convencionais. Com a pirâmide socioeconômica já quase plana, os expulsos, aos milhões, vão para a favela (sinônimo de "caldo de cultura para a criminalidade"). Aliás, falando do que interessa - "dinheiro" -, favelado não paga IPTU nem lucro imobiliário. Nem tem renda, uma vez que salário não é renda. Quem tem renda faz aplicações financeiras, que estão isentas de CPMF. A expectativa de lucros arrecadatórios imediatos deixará de existir e será substituída pela queda de arrecadação. Mas, certamente, os gastos serão maiores; afinal, há custos para se enfrentar o aumento da criminalidade e da insalubridade. Levando-se em conta que isentar aplicações financeiras (que não geram emprego algum) foi considerado ato estratégico, deixar de cobrar imposto sobre o que não é devido e conduz a graves conseqüências é medida emergencial. A anomalia se agrava quando nos lembramos de que o governo anterior criou não um, mas dois dispositivos para se assegurar de que as escrituras serão lavradas pelo valor corrigido pela inflação - a qual impede de aplicar. Sob pena de pesada multa e outras sanções, Cartórios e imobiliárias devem comunicar, incontinenti, as transações realizadas. Para as últimas, cabe ainda a função de sopesar se há indícios de lavagem de dinheiro, sob pena de co-responsabilidade. E é verdade. É crime passar uma escritura pelo valor que o poder público impede de corrigir. E perfeitamente legal cobrar 15% sobre a correção. Isso mesmo. Considerando que há ainda custos cartorários inflados por pesados tributos, o imposto de transmissão cobrado pelo valor venal estipulado e corrigido anualmente pelas prefeituras (sempre com otimismo, exceto nas desapropriações) e, também, o aceno de tributar-se a herança em 25% (uma quarta parte do patrimônio) - o que é discutido como assunto sério -, pode-se dizer que é notável a "contribuição" do poder público para o bom funcionamento do setor que mais gera empregos, não tem evasão de divisas (não precisa importar) e é item de sobrevivência, como alimentação e saúde.
José Augusto Viana Neto
Presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis
CRECI-SP / 2ª Região